POR DRA JOANA RIBEIRO
O dicionário Aurélio nos sinaliza que “qualidade é a propriedade, atributo ou condição de uma pessoa ou coisa que a distingue das outras e lhe determina a natureza”.
Quando olhamos para qualquer fase da vida não é difícil percebermos que somos produtos da interação entre muitos fatores. Na infância e adolescência imprimimos em nossa natureza os alicerces e as bases que serão fundamentais para nos distinguir como indivíduos.
O entendimento a respeito da atuação dos cuidadores na formação das crianças e adolescentes torna-se muito importante, uma vez que poderemos contribuir de forma positiva. Uma retaguarda social adequada associada a um ambiente familiar saudável é uma associação a ser almejada. Nesta construção existem desafios que precisamos enfrentar de forma consciente e organizada nas esferas pessoais(familiares) e coletivas (pública).
As diferentes influências biológicas vão exercer importantes papéis nas características e funcionalidades de cada um, mas nos resumir a visão fisiológica, neurológica ou afins acaba por limitar o entendimento sobre as pessoas. A seguir traremos uma visão bastante interessante, por uma profissional com vasta experiência neste tema.
Temos o privilégio de contar com a contribuição da Dra. Joana Ribeiro, Juíza de Direito há 20 anos em Santa Catarina, Mestre e Doutoranda em Direito da Criança e do Adolescente pela Universidade Federal de Santa Catarina, nos traz algumas informações e reflexões a respeito deste universo.
Feita apresentação vamos usufruir de um pouco dos conhecimentos que a Dra. Joana nos oferece.
As nossas crianças, desde a gestação e até os seis anos de idade, são os maiores tesouros de um país, diz Joana Ribeiro.
A compreensão da importância dos primeiros mil dias contados da gestação, do apego seguro com as crianças e do desenvolvimento de suas potencialidades representam o conteúdo desta entrevista.
O que as pessoas fariam se descobrissem que podem ficar mais inteligentes, desenvolver mais habilidades e ter uma vida muito melhor nas relações afetivas, sociais e em ganhos econômicos?
Se todos os brasileiros soubessem que vários países já sabem como potencializar essas habilidades em seus cidadãos, perceberiam que, no futuro, os adultos com essas habilidades desenvolvidas terão uma vantagem competitiva significativa. Não podemos mudar o passado, mas podemos projetar um futuro melhor para as crianças que já nasceram e que estão por nascer. Este artigo se baseia em descobertas científicas das últimas décadas que mostram que as habilidades sociais, afetivas e cognitivas das crianças dependem dos primeiros 1000 dias de vida, contados a partir da gestação e se desenvolvem fortemente até os seis anos e estão protegidas, pela Constituição Federal de 1988, pela Convenção sobre os Direitos da Criança de 1989, pelo Estatuto da Criança e do Adolescente e leis posteriores, especialmente o Marco Legal da Primeira Infância.
Qual a importância da Convenção sobre os Direitos da Criança?
A Convenção sobre os Direitos da Criança, de 1989, é um documento internacional aprovado por unanimidade pela Assembleia das Nações Unidas. Ela consagra mais de sessenta e cinco anos de construção da Doutrina da Proteção Integral, iniciada com a Declaração de Genebra sobre os Direitos da Criança, de 1924. A Convenção reafirma a vulnerabilidade das crianças e a necessidade de cuidados especiais, enfatizando a importância da família para o desenvolvimento infantil.
É a família quem oferece o apego seguro e as bases da personalidade e da afetividade da criança.
O que é o comportamento de apego e por que é importante?
John Bowlby descreveu o comportamento de apego como essencial para a sobrevivência individual e manutenção da espécie. O apego se forma principalmente entre a criança e a mãe, proporcionando segurança e aprendizado contínuo. Um apego seguro, desenvolvido nos primeiros anos de vida, é fundamental para a formação de estruturas de personalidade resilientes e para relações futuras saudáveis.
Quais são as consequências da falta de apego seguro?
A falta de apego seguro pode levar a transtornos psíquicos e dificuldades emocionais. Crianças que não desenvolvem um vínculo de confiança com seus pais ou figuras de apego podem enfrentar problemas de saúde mental, dificuldades educacionais e sociais. Bowlby destacou que o luto pela perda da mãe é semelhante em crianças pequenas e adultos, e que a qualidade do cuidado recebido durante a separação é crucial para minimizar impactos negativos.
Como as experiências na primeira infância influenciam o desenvolvimento cerebral?
A Universidade de Harvard destaca que as experiências na primeira infância, positivas ou negativas, influenciam a expressão dos genes. Boas experiências promovem relacionamentos afetivos saudáveis e aprendizado, enquanto experiências negativas criam um ambiente tóxico e estressante, afetando a saúde e a resiliência.
Por que os primeiros anos de vida são tão importantes para o desenvolvimento cerebral?
O desenvolvimento saudável nos primeiros anos, especialmente desde a gestação e até os três anos de idade, é crucial para o desempenho educacional, a produtividade econômica e a boa saúde ao longo da vida. Estudos mostram que o estresse tóxico pode enfraquecer o desenvolvimento cerebral, enquanto um ambiente positivo fortalece as bases para uma vida bem-sucedida.
Quais são os impactos das adversidades na infância?
Pesquisas sobre órfãos da Romênia revelam que crianças institucionalizadas têm seu desenvolvimento cognitivo e emocional significativamente comprometido. A resiliência, ou a capacidade de superar adversidades, está ligada a um relacionamento estável com um dos pais ou um cuidador com quem a criança desenvolve o apego.
Como as políticas públicas podem apoiar o desenvolvimento infantil?
Estudos indicam que políticas públicas devem focar em: acesso a serviços de saúde para grávidas e crianças, suporte intensivo para famílias vulneráveis, educação infantil de qualidade, programas de suporte à parentalidade, intervenções para crianças que sofrem estresse tóxico, suplementos de renda para famílias pobres, e redução de neurotoxinas no ambiente. A implementação dessas políticas pode melhorar significativamente os resultados para crianças vulneráveis e gerar benefícios para a sociedade.
Qual é a situação da pobreza e da cobertura vacinal no Brasil?
No Brasil, aproximadamente 63,5 milhões de pessoas vivem em situação de pobreza, sendo 26,8 milhões em extrema pobreza. A Fundação Abrinq destaca que a cobertura vacinal, especialmente para crianças com menos de um ano, tem caído desde 2016, o que é preocupante para a saúde pública.
Quais são as correlações matemáticas feitas por James Heckman sobre o desenvolvimento infantil?
James Heckman, em sua obra "Giving Kids a Fair Chance: A Strategy that Works", destaca que crianças de famílias desfavorecidas enfrentam maiores riscos de desenvolvimento inadequado, resultando em problemas pessoais e sociais. Ele critica a ideia de igualdade de oportunidades, apontando que o nascimento está se tornando um destino, perpetuando desvantagens sociais.
Como o desenvolvimento de habilidades na infância impacta a vida adulta?
Heckman afirma que habilidades cognitivas e socioemocionais se desenvolvem na primeira infância e dependem do ambiente familiar. A falta de apoio familiar prejudica o desenvolvimento infantil e os resultados na vida adulta, perpetuando desvantagens por gerações.
Quais são os benefícios das intervenções precoces?
Análises mostram que o cérebro de uma criança negligenciada pode ser 50% menor que o de uma criança bem cuidada. Intervenções precoces são mais promissoras e efetivas do que intervenções em adultos, resultando em maiores retornos financeiros e economia de recursos públicos. Heckman defende políticas de predistribuição de recursos para apoiar famílias e promover a inclusão social e a igualdade.
Quais são os desafios da desigualdade e da educação no Brasil?
A tese de Pedro H. G. Ferreira Souza, premiada em 2017, concluiu que o Brasil é o país mais desigual entre aqueles com estimativas disponíveis para análise tributária. No Brasil, o centésimo mais rico reserva para si 23% da renda total, enquanto em outros países esse percentual varia de 5% a 15%. Além disso, alunos de escolas privadas têm o dobro de chances de ingressar no Ensino Superior em comparação com alunos de escolas públicas.
Qual é a importância da educação infantil no Brasil?
Vital Didonet destaca que a educação infantil é um direito de toda criança e uma obrigação do Estado, essencial para o desenvolvimento humano e a formação da inteligência e da personalidade. A exclusão da criança desse ambiente representa uma forma perversa de exclusão social, perpetuando o ciclo da pobreza e marginalidade.
O que é o Pacto Nacional da Primeira Infância?
O Pacto Nacional da Primeira Infância foi desenvolvido pelo Conselho Nacional de Justiça e visa cumprir a Convenção sobre os Direitos da Criança, focando na proteção e desenvolvimento das crianças desde a gestaçãp até os seis anos de idade. Ele busca melhorar a infraestrutura de proteção, exigir a aplicação da lei, diagnosticar a realidade e oferecer cursos de sensibilização e boas práticas.
Quais são as expectativas para o Pacto Nacional da Primeira Infância?
O Pacto, em parceria com a Organização dos Estados Ibero-Americanos para a Educação, a Ciência e a Cultura (OEI), espera concretizar os direitos e garantias fundamentais das crianças. A participação de diversas entidades e novos pactuantes é crucial para construir um país que proteja suas crianças da fome, frio, falta de afeto e proteção.
Após revisitar a Doutrina da Proteção Integral e avaliar sua aplicação no Brasil, fica claro que o país ainda tem muito a fazer para cumprir suas obrigações internacionais. O Pacto Nacional da Primeira Infância é um passo importante para unir esforços e transformar a realidade das crianças brasileiras. É essencial que todos os setores da sociedade se envolvam para garantir que nossas crianças tenham um futuro melhor, livre de pobreza e marginalidade. Somente assim poderemos construir uma sociedade mais justa e humana.
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