Necessidades individuais e coletivas de variadas naturezas; ritmo acelerado das demandas cotidianas; desafios profissionais; diversos tipos de vulnerabilidades; incertezas econômicas; contínuas transformações no comportamento da sociedade entre outras situações impactam constantemente nossa saúde mental.
Mariane Blancato convidou o médico Dr. Flávio José Reis para trazer algumas informações e reflexões a respeito deste universo. O Dr. Flávio é Oncologista Clínico membro titular da SBOC (Sociedade Brasileira de Oncologia Clínica) e possui pós-graduação em psiquiatria clínica e cirúrgica pelo Instituto Israelita de Ensino e Pesquisa do Hospital Albert Einstein.
Entendo que a estrutura e funcionamento mental podem ser interpretados como resultado das interações entre fatores biológicos e ambientais. Como o conhecimento sobre os fatores biológicos não são dominados por considerável parte da população a compreensão sobre este assunto nem sempre é simples. Tentarei utilizar uma linguagem menos técnica, com objetivo de trazer o leitor para mais próximo do tema.
O cérebro exerce controle sobre diferentes papéis fundamentais para a nossa existência. Nesta oportunidade olharemos pelo anglo do funcionamento psíquico, partindo de alguns conhecimentos básicos. O olhar será direcionado para algumas características que, quando somadas, poderão contribuir para uma melhor compreensão do todo.
Partiremos do início, a formação da estrutura cerebral. Na gravidez, a formação da estrutura do cérebro irá proporcionar a base necessária para variadas capacidades de cada indivíduo. Nesta etapa tão precoce da vida, ainda antes do nascimento, ocorre a formação de aproximadamente 90% da sua estrutura. Nos anos seguintes, o cérebro será o centro de comando onde deverá integrar várias funções como cognitivas, comportamentais, raciocínio, pensamentos, emoções entre outras funções. O acesso ao pré-natal tem, entre as suas finalidades, auxiliar para que a mãe e o feto recebam o que necessitam. Alimentação saudável, tratamento de possíveis enfermidades maternas, cessação de hábitos nocivos como tabagismo, alcoolismo e uso de outras substâncias de abuso. Todas os cuidados somados trazem inegáveis benefícios.
A literatura médica mostra que adequadas condições emocionais maternas durante a gravidez trazem benefícios para formação da estrutura cerebral do feto. A interação entre influências ambientais e nossas características biológicas individuais são partes essenciais para definir a estrutura pessoal.Durante a infância até o final da adolescência o cérebro passa por intensas transformações. Estas representam o natural amadurecimento e adequações (chamadas de fisiológicas). Existem transformações de outra natureza, que comumente são denominadas “ambientais”. Estas vêm das experiencias pessoais e são capazes de provocar relevante impacto sobre a formação emocional e no comportamento de cada indivíduo. Desta forma, os cuidados e orientações educacionais serão de fundamental importância. Durante esta fase da vida, os indivíduos comumente não completaram o amadurecimento cerebral.
A fase adulta traz exigências diferentes para o cérebro. Na proporção que as pessoas vão se desenvolvendo as atribuições, responsabilidades e cobranças se acumulam. Não é por acaso que na fase adulta várias alterações emocionais se afloram.
A partir da terceira idade, outros desafios costumam se manifestar. Muitos deles estão associados a doenças crônicas que, quando não controladas, podem interferir no funcionamento cerebral. Também existem alterações que naturalmente são mais comuns com o aumento da idade. Estas variam bastante, desde alterações por doenças específicas como Alzheimer, passando por outras condições.
As alterações funcionais e disfuncionais constituem uma enorme gama de assuntos. Estas informações gerais possuem intuito de contribuir para um entendimento mais geral. Avaliações adequadas sobre cada situação clínica (ou sobre transtornos específicos) devem ser realizadas de forma individual por profissionais de saúde capacitados para tal, em ambiente ambulatorial, hospitalar e afins.
Análises e reflexões sobre temas específicos podem ser mais úteis quando analisadas na forma “assunto por assunto”.
Dr. Flávio Reis responde:
Quais são os sinais mais comuns de que alguém está lidando com um transtorno de ansiedade ou depressão?
É muito importante a compreensão que sentimentos como por exemplo de tristeza, frustrações, falta de ânimo, preocupações, sentimentos de culpa, alterações esporádicas no sono fazem parte da vida das pessoas. A presença deles não significam necessariamente a presença de uma alteração na sua saúde. Quando sintomas, como os descritos acima, começam a predominar no dia a dia das pessoas, causando dificuldades na sua vida pessoal, social, familiar ou no trabalho é aconselhável a busca de uma avaliação por profissional de saúde. Pode ser que você esteja diante da necessidade de um tratamento ou acompanhamento especializado.
Da mesma forma deve ser o raciocínio em relação à ansiedade. Angústias e consequências passageiras que não intensas a ponto de prejudicar o funcionamento pessoal em seu cotidiano não significam doença. Quando os sintomas são frequentes ou intensos a ponto de prejudicar o dia a dia é aconselhável avaliação profissional.
Como o ambiente corporativo influencia na saúde mental dos colaboradores?
É desejável que as organizações públicas ou privadas utilizem ferramentas capazes de identificar precocemente alterações na saúde mental dos seus colaboradores. Em muitas situações os transtornos são decorrentes de questões pessoais e não profissionais dos indivíduos. Isso não significa que não deva ser uma preocupação da instituição. Por outro lado, instituições que já entenderam sobre a importância de uma boa saúde mental na performance profissional dos seus colaboradores, adotam práticas que buscam evitar um ambiente desfavorável. Incentivo a prática de exercícios, ambiente tranquilo em que se busque desenvolver colaboração mútua entre as pessoas, respeito nas relações coorporativas e interpessoais são bons exemplos que funcionam.
Quais são os maiores desafios para um profissional que lida com pacientes diagnosticados com transtornos de humor?
O acesso é um dos principais desafios. A maioria dos pacientes se situam entre casos de gravidade leve a moderada. Muito frequentemente os indivíduos são adequadamente atendidos por profissionais que não possuem formação específica em saúde mental. Para alguns casos mais complexos, graves ou de difícil controle não é incomum que estes pacientes precisem ser encaminhados para especialistas. A elevação geral na incidência de diversos transtornos gera uma demanda crescente de estrutura pública e privada. No Brasil, o número de instituições e de profissionais especializados não está acompanhando a demanda. Temos uma relação aproximada de 7 psiquiatras por cada 100.000 habitantes. Nos EUA e reino Unido esta mesma relação gira em torno de 18/100.000, na Alemanha são aproximadamente 27 por 100 mil , na França 23.
Como os pais podem identificar sinais de problemas emocionais nas crianças e adolescentes?
Nem sempre é fácil. Ao notarem comportamentos disfuncionais que chamem a atenção é necessária uma avaliação por pediatra. Este profissional será capaz de orientar sobre a correta condução em cada caso. Caso o pediatra entenda como necessária a participação de outros profissionais de saúde ele mesmo deverá solicitar.
Qual é a importância da epigenética no tratamento de transtornos psiquiátricos?
A epigenética foi uma das felizes descobertas relativamente recentes, em termos de ciência. Através dela a ciência está conseguindo desenvolver meios que tornam possível as mudanças capazes de reestabelecer funções antes tidas como quase impossíveis. Através de combinações terapêuticas comportamentais, cognitivas associados a terapias medicamentosas está sendo possível alterar a expressão de genes capazes de modificar alterações indesejáveis para alterações funcionais desejadas.
Ainda faltam muitos conhecimentos adicionais, o que provavelmente irá nos oferecer ainda mais recursos capazes de aumentar o seu alcance nos resultados dos tratamentos. A boa notícia é que, na saúde mental, alguns tratamentos medicamentosos assim como terapêuticos cognitivos e comportamentais são capazes de contribuir para melhoras anteriormente não palpáveis.
Como o estresse do cotidiano impacta a saúde mental de maneira prolongada?
O stress prolongado pode afetar sobre várias maneiras, as quais são somatórias.
Estresse por exemplo causa alterações inflamatórias cerebrais; pode antecipar a morte celular dos neurônios (conhecido tecnicamente como “indução de apoptose); interferir nas funções de uma importante substância conhecida como “BDNF” relacionada a manutenção dos estímulos de crescimento e sobrevivência dos tecidos que compõem o cérebro. Tudo isso somado tem potencial de diminuir a eficiência do funcionamento cerebral, além de acelerar desgaste estrutural. Mais tarde a soma das alterações pode ser traduzidas em indesejáveis alterações cognitivas precoces no idoso. Estas alterações também aumentam o potencial de vários distúrbios como por exemplo depressão e ansiedade no idoso.
O que é possível fazer para ajudar alguém a sair de um quadro de depressão sem recorrer a medicamentos?
Todo apoio é bem-vindo. O importante é que a família, amigos pessoais, amigos no trabalho entendam sobre quais modalidades de apoio serão mais eficientes.
A avaliação sobre a necessidade ou não de medicamentos necessariamente deverá ser feita por um médico. É desejável que as pessoas próximas façam contato com familiar que acompanhe o tratamento do paciente. O familiar provavelmente foi orientado pelo profissional psicólogo ou médico. Desta forma poderá orientar sobre as melhores formas de ajuda.
Como a psiquiatria pode ajudar na prevenção do burnout e outros problemas relacionados ao estresse crônico?
Geralmente a prevenção é feita antes do paciente procurar ajuda profissional. Sendo assim os psiquiatras podem contribuir nas elaborações dos diversos meios de divulgação com intuito preventivo.
O que as empresas podem fazer para criar ambientes de trabalho mais saudáveis para a saúde mental de seus funcionários?
Campanhas internas para o rastreamento e prevenção. Quando necessário, realizar o encaminhamento para tratamento especializado.
Incentivar práticas regulares de exercícios físicos.
Quais são os avanços mais promissores no tratamento de transtornos psiquiátricos e como a ciência tem evoluído nesse sentido?
A ciência tem evoluído nos mais diversos aspectos. Muitas frentes estão sendo desenvolvidas, desde novas classes medicamentosas até tratamentos funcionais não invasivos. Os profissionais de saúde estão se especializando continuamente gerando sub-especialidades dentro das diversas áreas da saúde mental.
Como cada área e tipo de transtorno possui particularidades, em outras oportunidades poderemos tratar de temas específicos.
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